Trabalhar com as delicadas borboletas gerou em João da Silva a sua própria metamorfose (Foto: José Medeiros)
A epígrafe do livro anuncia o que o leitor encontrará nas páginas a seguir: “Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas”, registra o grande poeta cuiabano, Manoel de Barros, em O livro sobre nada. Isso vale para as histórias do Pantanal – uma região extraordinária localizada no centro da América do Sul –, para uma estância ecológica no Pantanal e para personagens cujas vidas se confundem com a planície regida pelos ciclos de cheias e secas, e são narradas em envolvente produção literária.
O livro “No pulso das águas”, uma edição comemorativa para o Sesc Pantanal, traz especialmente a biografia de 20 personagens cujas vidas se entrelaçam ao Pantanal e à estância ecológica, uma Reserva Particular do Patrimônio Natural, a maior do Brasil em sua categoria, e que comemora os seus 20 anos.
O lançamento desta edição acontecerá dia 11 de julho, durante a 17ª Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), no Estado do Rio de Janeiro, no Sesc Santa Rita, das 14h30 às 16 horas, na Sala de Artes Integradas.
A autora Carla Águas nos envolve em seus textos poéticos: “O Pantanal é um lugar delicado e colossal ao mesmo tempo; como explicar? Trata-se de uma das maiores áreas alagadas contínuas do planeta, reconhecida como Reserva da Biofera e Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco. O Pantanal é uma grande síntese, território de complexidades. [...] Mas o ferver de gente naquele caldeirão inundável foi erguendo do chão molhado as mais finas delicadezas. Culturas, digo: traços vivos e peculiares do estar-no mundo. No remexer da história – com o seu quinhão de tragédias, é verdade – foram se erguendo as figuras emblemáticas do homem pantaneiro, da mulher pantaneira, tão adaptados que são aos ciclos. Em quantas riquezas aquele povo se traduziu?”
“Dizem que o tempo é sombra do espaço. Que o girar dos corpos pelo universo é que cria em nós, tão pequenos, a sensação de um novelo sutil, diáfano, que se desenrola em linha reta. Ilusão, enfim. Mas nós, que olhamos o planeta desde tão perto, percebemos o fio do tempo com uma concretude e tanta – é só abrir a janela e lá vem o raiar do dia, depois a tarde, a noite, e de novo a alvorada. Sentimos, contamos, riscamos nossos calendários. Pois bem, foi nessa toada – dia após dia – o Sesc Pantanal fez vinte anos. Histórias para contar? Isso não falta...” nos revela a autora, que nos convida a conhecer essa região mítica, de beleza e riquezas extraordinárias – e principalmente, a história de pessoas do lugar.
“Na descrição de vinte trajetórias é que tentaremos ir bordando, aos bocados, a fina artesania em que consiste essa história:”
Conheça as “Metamorfoses de João”, sobre João da Silva, ou melhor dizendo, João do Borboletário, um dos 16 filhos de um índio guató e uma pantaneira; Benedito Alves da Silva, em “A vida feita em acordes”, o pantaneiro ribeirinho conhecido por milhares de turistas como Dito Verde; Antônio Coelho, “O colecionador de saberes”, um devorador de livros no Pantanal; Guilherme da Silva, “O cartógrafo das amplidões”, o GPS do Sesc Pantanal; Haroldo Palo Jr., em “O olhar sobre um espantoso mundo”, sobre o fotógrafo amigo do tempo, um dos maiores a registrar com minúcia as maravilhas naturais do nosso planeta; Luiz Flamarion Barbosa de Oliveira, “Galopando pelo espaço-tempo”, o biólogo do Museu Nacional que desenvolve pesquisa na RPPN Sesc Pantanal desde o final dos anos 1990; “O fantástico mundo de dona Candinha”, a professora de Língua Portuguesa de várias gerações no Pantanal de Poconé; e Oriana Paes de Barros, “Na escuta do canto do aranquã”, a primeira mulher do Brasil a presidir uma Federação de Pescadores, liderando o povo das águas no Estado de Mato Grosso e que entre tantas ações fechou 140 garimpos em Poconé, na beira do Pantanal... entre outras histórias.
Dona Candinha descreve um tempo cheio de bailes, serenatas e assombrações (Foto: José Medeiros)
O livro não seguiu o modelo dos livros institucionais tradicionais, conforme concebeu Christiane Caetano, superintendente do Sesc Pantanal. Seguiu um caminho diferente que o transformou em uma edição muito especial. “A partir de uma envolvente narrativa sobre a vida de 20 personagens homenageados e do Pantanal, a edição utiliza a técnica do jornalismo literário. O livro se traduz em um importante registro que também conta a trajetória da Estância Sesc Pantanal, e suas contribuições para o ambiente e a comunidade circundante. Os personagens foram retratados pelas lentes de José Medeiros e o Pantanal e a estância se apresentam em belíssimas fotos de Mike Bueno (autor do livro Pantanal Selvagem), Ernani Jr., Haroldo Palo Jr., Ricardo Martins (autor da foto da capa), Jeferson Prado, Luciana Tancredo, Camila Solé, Ilana Bessler, Silvio Vince Esgalha, Rogener Azambuja, Anderson Laranjeiras e Jarbas Malheiros”, explica a organizadora, designer e editora do livro, Maria Teresa Carrión Carracedo.
Sobre os 20 anos da estância ecológica, Carlos Artexes Simões, diretor Geral do Departamento Nacional do Sesc, assegura que “é um privilégio para o Sesc não apenas contribuir para a conservação de um ambiente tão único, mas também fincar raízes em um território culturalmente diverso e instigante, composto por sujeitos e comunidades carregados de tradições, saberes, artes, histórias, riquezas.” O Sesc Pantanal integra, de forma harmônica, a preservação ambiental, o turismo ecológico e o desenvolvimento sustentável.
Sobre a autora
Carlas Águas – Nascida mineira, Carla Águas logo cedo inventou de espalhar-se pelo mundo. Formou-se em Comunicação Social no início dos anos noventa pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), chegando depois, impulsionada pelo trabalho, à Cuiabá. Lá esbaldou-se: atuou no jornalismo, fez mil amigos, comeu pacu, pintado, paçoca de pilão, conheceu de perto povos indígenas, quilombolas... Lá também fez um mestrado em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) – e seu mundo foi ficando maior. Fez seu doutorado em Sociologia pelo Programa “Pós-Colonialismos e Cidadania Global” da Universidade de Coimbra, Portugal. Ali apaixonou-se de vez pela pesquisa, que desenvolve hoje lá no Planalto Central, pela Universidade de Brasília (UnB). Em suas andanças, tenta aprimorar a escuta, buscando no escondido, no invisibilizado, a grandeza delicada da palavra sabedoria.
Mais informações sobre o livro, neste link
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